Mas, continuando na linha da magia e fé…
Lembro-me das quantidades incansáveis de tempo que minha mãe e minhas avós dedicavam à religião. Eu, realmente, não entendia tudo aquilo. Estava devidamente matriculado nas aulas de catecismo, mas a parte de milagres, a humildade do pedido, a lembrança de se pedir por uma força maior, etc., tudo isso me parecia mais protocolar que qualquer outra coisa.
Após a geada de 1975, que dizimou todas as lavouras de ciclo e incontáveis culturas perenes, entre elas o importantíssimo café, desde o norte do Paraná até o centro-sul de São Paulo, seguiu-se uma primavera seca de se esturricar. Quantas não foram as vezes que os padres pediam para que todos rogassem a Deus para que a chuva viesse e salvasse o muito pouco que restava no solo. Nas missas de domingo, as portas em Londrina e região eram fechadas, pois qualquer vento que surgisse carregava quilos de terra vermelha para dentro das igrejas. O horizonte era vermelho. O sol parecia um inimigo diabólico.
Em novembro, com a água das torneiras aparecendo apenas em pingos, tanto nosso bispo, Dom Geraldo, como os padres estavam comprometidos com um dia de preces e vigília. Para isso, a minha paróquia, como tantas outras, se enfeitou. Resolveu-se que deveríamos agir como se já estivéssemos comemorando a intervenção de Nosso Senhor no nosso clima e as chuvas já estivessem regando nossos canteiros, pastos e lavouras… Que proposta linda: “onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome…” (Mateus 18:20)
Talvez eu não saiba, mesmo, ter fé. Ainda hoje eu me policio para não cair em armadilhas como a “racionalização burra” ou a “espiritualização míope”. Mas foi naquele dia que, ao menos, eu tive a minha maior e mais completa lição sobre fé. O sino soou e vi a movimentação em todas as casas vizinhas, tal como na nossa. Camisas brancas abotoadas até o pescoço – nós homens, e minha mãe usando um vestido para ir em casamentos, com sapatos de salto (logicamente, não muito alto), saíamos ao portão com um sorriso meio que inseguro. Já na calçada, meu irmão pediu a chave de casa para meu pai e voltou em carreira para dentro, nos deixando curiosos e, quem sabe, impacientes. Um minuto depois, voltava ele carregando dois guarda-chuvas…
Na noite daquele domingo meu irmão pode dormir mais tarde (21:00!), depois de brincar debaixo da saída da calha do telhado de nossa garagem.